O ZAHIR - Paulo Coelho

domingo, 29 de julho de 2007

 


O Zahir?
Ele tinha desaparecido, mas eu agora dava-me conta de que um Zahir era mais do que um homem obcecado por um objecto, uma das mil colunas da mesquita de Córdoba, como dizia o conto de Borges, ou uma mulher na Ásia Central, como fora a minha terrível experiência por dois anos. O Zahir era a fixação em tudo o que tinha sido passado de geração em geração, não deixava nenhuma pergunta sem resposta, ocupava todo o espaço, não nos permitia nunca considerar a possibilidade de que as coisas mudavam.
O Zahir todo-poderoso parecia nascer com cada ser humano e ganhar toda a sua força durante a infância, impondo as suas regras, que a partir de então serão sempre respeitadas.
Gente diferente é perigosa, pertence a outra tribo, quer as nossas terras e as nossas mulheres.
Temos de casar, ter filhos, reproduzir a espécie.
O amor é pequeno, dá apenas para uma pessoa e já é sorte – qualquer tentativa de dizer que o coração é maior do que isso é considerada mal dita.
Quando nos casamos, estamos autorizados a tomar posse do corpo e da alma de outro.
É preciso trabalhar em algo que detestamos, porque somos parte de uma sociedade organizada e, se todos fizerem o que gostam, o mundo não anda para frente.
Temos de comprar jóias – identifica-nos com a nossa tribo, assim como os piercings identificam uma tribo diferente.
Devemos ser engraçados e tratar com ironia as pessoas que expressam os seus sentimentos – é um perigo para a tribo deixar que um dos seus membros demonstre o que está a sentir.
É preciso evitar ao máximo dizer “não”, porque gostam mais de nós quando dizemos “sim” – e isso permite-nos sobreviver num terreno hostil.
O que os outros pensam é mais importante do que o que sentimos.
Nunca faça escândalos, pois pode chamar a atenção de uma tribo inimiga.
Se se comportar de forma diferente, será expulso da tribo, porque pode contagiar os outros e desintegrar o que foi tão difícil de organizar.
Devemos ter sempre em mente como deve ficar o espaço dentro das novas cavernas, e, se não soubermos como, chamamos um decorador – que fará o melhor para mostrar aos outros que temos bom gosto.
Temos de comer três vezes por dia, mesmo sem fome, devemos jejuar quando saímos dos padrões de beleza, mesmo se estivermos esfomeados.
Devemos vestir-nos como dita a moda, fazer amor com ou sem vontade, matar em nome de fronteiras, desejar que o tempo passe rapidamente e a reforma chegue depressa, eleger políticos, reclamar contra o custo de vida, mudar de penteado, maldizer os que são diferentes, ir a um culto religioso aos domingos, ou sábados ou sextas, dependendo da religião, e aí pedir perdão pelos nossos pecados, encher-nos de orgulho porque conhecemos a verdade e desprezar a outra tribo, que adora um deus falso.
Os filhos têm de seguir os nossos passos; afinal, somos mais velhos e conhecemos o mundo.
Ter sempre um diploma de faculdade, mesmo que nunca consigamos um emprego naquilo que nos obrigaram a escolher como carreira.
Estudar coisas que nunca usaremos, mas que alguém disse que era importante conhecer: álgebra, trigonometria, o código de Hamurábi.
Nunca entristecer os nossos pais, mesmo que isso signifique renunciar a tudo o que nos faz felizes.
Ouvir música baixa, falar baixo, chorar às escondidas, porque eu sou o todo-poderoso Zahir, aquele que ditou as regras do jogo, a distância dos trilhos, a ideia do sucesso, a maneira de amar, a importância das recompensas.

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