O Segundo Olho - Rubem Alves

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

 

Ângelus Silésius, poeta místico que viveu no século XVII,
escreveu o seguinte:

"Nós temos dois olhos.
Com um nós vemos as coisas que se movem
no tempo que passa
e são logo esquecidas.
Com o outro, as coisas eternas e divinas,
que permanecem pelo resto da vida."



Nesses versos está resumido o coração da psicanálise. Dois séculos antes de Freud, Ângelus Silésius já conhecia os segredos da alma.
Mas os olhos falam. Todo mundo sabe disso. O poeta místico, se tivesse querido, poderia ter acrescentado que cada olho, por abrir as portas de um mundo diferente, fala uma língua que só ele entende. O primeiro olho não entende a língua do segundo, e o segundo não entende a língua do primeiro... não foi por acaso que ele escolheu a poesia para dizer o que o seu segundo olho via.
O primeiro olho fala a língua do tempo. Ele se abre para o mundo, deseja conhecê-lo e dominá-lo. No mundo do primeiro olho se falam as linguagens da filosofia, das ciências, da tecnologia - linguagens das luzes, das precisões, dos conceitos abstractos, da matemática. À medida em que essa linguagem se expande, expande-se também o domínio do homem sobre o mundo porque conhecimento é poder. Foi com essa linguagem que nossa civilização se fez.
O mundo do segundo olho não entende a linguagem que se fala no mundo do primeiro. Porque o segundo mundo é o mundo da alma, e a alma só entende a linguagem do amor. E a linguagem do amor se faz com poesia, metáforas, imagens, cores, rostos, histórias... A linguagem do segundo mundo não tem o poder de conhecer cientificamente e transformar tecnicamente o mundo. A linguagem do segundo mundo tem o poder para compreender e transformar amorosamente a alma. E é isso que desejam os poetas e os profetas. Eles sabem que mundos melhores nascem da alma.

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